Category Archives: Arte

Arte Atualidade Costumes

Ano novo, vagina de 33 metros e “tretas” de redes sociais

É o primeiro dia do ano de 2021 e eu, blogueira de outro mundo, resolvi voltar para escrever sobre o que leio e vejo sobre sexo, sexualidade e cultura na rede.

Depois de muitos anos, é hora de voltar a blogar!
“Sério, mas como assim? O blog não morreu?”

Meus amores, muita gente e muita coisa morreu, principalmente em 2020, mas em 2021 teremos que superar todos os diagnósticos de mortes anunciadas. Aliás, pelo que pude perceber lendo as primeiras “notícias” do ano, chegamos em 2021 com os mesmos velhos e antigos preconceitos e ignorâncias sobre sexo e cultura, isso aqui está uma grande confusão sobre mais uma pá de coisas que reviram a cabeça e o coração dos comentadores de redes sociais. Vide o “debate” sobre a obra Land art, intitulada Diva, da artista visual Juliana Notari.

Longe de mim querer tomar parte na treta, o que me interessa são as muitas leituras que a obra de arte provocou após a postagem feita pela própria artista em seu instagram.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

Quando vemos o debate em torno de sua postagem, quais são os efeitos dessa publicação? O que muda? Eu diria que muda tudo, porque aí entra n´importe quoi! É tudo e é nada ao mesmo tempo! E esse é um efeito das tretas militantes nas redes sociais.

Um rápido rolê pelos comentários e veremos que eles oscilam entre pseudos críticas de arte, julgamentos pessoais sobre a artista, ofensas, achismos, mas também apontam para problematizações que dão continuidade a vários outros “diálogos” já em andamento. Cada um deles vai estabelecer destinos vários para os efeitos de sentidos que aparecem ora como “treta” ora como “cancelamentos”.  Nesse caso específico, embora muitos tomem uma coisa pela outra, não se trata de um tour solitário pela Usina de Arte e o impacto que teria se fosse uma visita in loco. Isso parece óbvio, mas acreditem, não é. Do mesmo modo, os comentários sobre a obra no Instagram produzem efeitos muito diferentes daqueles que circulam no Twitter.

Quando falamos de comentários sobre obras de arte nas redes sociais não podemos esquecer que aqui se trata muito mais de um “diálogo” dos usuários (que nesse caso é muito mais sobre como as pessoas se posicionam diante da postagem da artista) do que um debate sobre a proposta artística em si. É porque esquecemos disso que começa a “confusão” e nascem 90% das “tretas”.

Vejamos como é fácil localizar algumas dessas outras tretas já lá nas redes sociais, retomando o caso de alguns tweets. De um lado, encontramos comentários que vêem a obra como um “culto da vagina”, como podemos observar pelo tweet de @oldlaace, que escreveu Eu gostaria de entender o que ela quis representar. Porque mulher não é e nunca foi uma vagina. Uma pena nos compararmos ao falocentrismo masculino”. Ou no tweet de @arielfhitz: “A MULHER FEZ UMA BUCETA GIGANTE COMO ARTE FEMINISTA VAI SE FUDEKKKKKKKKKKKKK BAGULHO GENITALISTA DA PORRA”.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

De outro lado, temos outra treta em andamento nessa “conversa global” do Twitter, que remete (e às vezes confunde pra caramba) para pautas sobre racismo e negritude. Ela aparece aqui em tweets como o de @arielfhitz, que também comentou sobre isso dizendo, meu deus pq elas não cansam de fazer buceta como arte como se isso fosse o auge da representação feminina além de que nem chamou mulher pra fazer o bagulho??? TIPO”. Ou, ainda, no tweet de @andrezadelgado que, em resposta ao post de @arielfhitz, escreve que “O mais doido disso é a mão de obra masculina e negra para obra de arte! Minha indicação é uma leitura de raça e classe da Ângela Davis que ela vai da o diagnóstico desse tipo de “”feminismo””.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

Não faltou, claro, opinião sobre o meio ambiente, já que a proposta da artista era “problematizar a relação entre natureza e cultura”. Em resposta à postagem de @arielfhtiz, também encontramos o seguinte tweet, de @TheOngoingFlop, chamando a atenção para a questão ambiental ao dizer que “O geógrafo q mora em mim só consegue pensar q ela criou uma voçoroca q vai degradar todo o solo daquela face do morro onde a bct tá… além das problematizações já feitas, consciência ambiental tbm passou longe”, ou de @aluizaalana que escreve: Fiquei curiosa pra ver os projetos da estrutura e da movimentação de terra desse trem, tem um engenheiro responsável né…”

Se querem saber de que lado EU fico nessas tretas todas, já vou logo dizendo que o meu objetivo nunca foi virar “influenciadora” de nada. Como boa problematizadora que sempre preferi ser, eu fico mesmo do lado das tretas.  E sabe quando vamos sair dessa enorme e estranha espiral que tem o efeito de tretas infinitas? Vai demorar, eu acho! Sabe por quê? Porque ao contrário do que prega o senso comum não são apenas tretas, nem apenas mimimi, nem diálogos de fadas sensatas, muito menos pura comunicação. No meio disso tudo temos disputas, lutas, discursos contraditórios, algoritmos, manipulações do cotidiano e muito coisa que empata nossas fodas.

É isso aí, bebês, a coisa é muito mais paradoxal do que os sentidos possíveis para essa land art de super vagina que agita as tretas no momento!

Todas essas leituras sobre sexo e sexualidade, sobre arte e cultura são complexas e exigem de nós muito mais que escolher o “nosso” lado da treta, exigem de nós muito mais que retweets, exigem de nós muito mais que repetições de argumentos. Exigem interpretação, exigem compreensão dessas diversas e heterogêneas posições. Feministas, machistas, transexuais, homofóbicos, vaginofóbicos, falocentrismos, feminazis, ambientalistas…

Confesso que em 2014 eu parei de blogar porque na época eu notei que cresciam os movimentos militantes e que era preciso rever meus posicionamentos. Eu os achava ruins? Muito pelo contrário! Eu vi que o mundo do sexo e da sexualidade estava mudando e achei prudente não entrar naquela “ordem arriscada dos discursos”, principalmente quando se tratava de sexo, sexualidade e cultura. Era receio de acabar, por incompreensão do que tava rolando, fazendo o contrário do que era meu propósito, já que eu começava a entender que muitas vezes eu estava reforçando pré-conceitos sobre o mundo do sexo e da pornografia e que era preciso entender melhor o que se anunciava com toda a sua veia contestatória e críticas sobre a indústria pornô e sua face opressora. Eu, uma mulher cis, branca, hétero, do universo acadêmico, tinha muito a aprender antes de continuar a falar.

Confesso também que tinha algo do pertencimento, aquele apego a uma certa blogosfera erótica que era famosinha e da qual esse blog fez parte. A blogosfera que viu nascer o assédio dos “recebidos”, que foi engolida pelos vlogers, influencers e etc… afinal era preciso aceitar entrar na ordem daquele mundo que parecia muito chato e broxante, que exigia que tudo girasse em torno de hashtags e polêmicas de redes sociais, essa coisa mercadológica que pedia que saíssemos de nosso anonimato, que tapássemos nossas bundas para melhor verem nossas caras. Coisa de gente que não trepa, coisa de gente que não lê, gente cansativa e tediosa! A “minha blogosfera sumiu”, foi o tema do post anterior a este, escrito em 2014, aliás. Muito justo, mas muito inútil também, estrategicamente falando.

Mas entendo hoje que 2021 vai exigir dos sobreviventes novos e velhos sujeitos falando de sexo, sexualidade e cultura. Sujeitos (re)nascidos dos últimos 10 anos de debate sobre tudo na Internet, sujeitos que agora têm que lidar com o que a internet se tornou quando nós abandonamos a blogosfera diversa e ativa, dona de seus próprios domínios e redes de seguidores.

É para defender a imprecisão e a complexidade das coisas para além das “tretas” que eu, como diz a gloriosa blogueirinha do fim do mundo,  “Volteiiii!”, porque o Brasil, a blogosfera heterogênea e livre (apagada pelas redes sociais proprietárias e suas bolhas digitais), a superficialidade dos muitos perfis e sites sobre sexo, cultura, sexualidade e pornografia, vão precisar de mais zilhões de “blogueirinhas do fim do mundo!”

E, se o nosso mundo vai acabar enquanto a gente “treta” nas redes sociais e faz dancinha em tik toks e reels, que assim seja! Mas eu, tendo atravessado diferentes momentos históricos na blogosfera (clique aqui para ler o primeiro post deste blog), aposto que todas essas coisas acabam muito antes. É também uma forma de crença naquele conceito antigo de que a terra não é plana e, por isso, ela dá voltas!

Por isso, a partir de hoje, volto a assumir o perfil da Júlia Tenório, uma blogueira de sexo mais ou menos inventada, que vai escrever e falar sobre seu modo de ler telas/espelhos/perfis e refletir sobre tabus, hipocrisias e contradições entre sexo(s), sexualidade(s) e cultura(s).

Navegar é preciso, tretar não é preciso, trepar e sobreviver em 2021 será fundamental!

Bem-vindo de volta, se você é leitor das antigas.

Bem-vindo, se você acabou de chegar!

Prometo um post por semana (ou menos, ou mais, ou não).

Referências:
#03 O blog realmente morreu? | com Jana Rosa (O podcast com Paulo Cuenca e Dani Noce)

2020: O fim do Blog (Artigo de Henrique Carvalho, do Viver de Blog)

Diva (Postagem de Juliana Notari, Instagram)

A ordem do discurso (Michel Foucault)

Blogueirinha do fim do mundo (Maria Bopp)

Arte

Orgasmos sinestésicos e a necessidade de significar

Sabemos que as palavras significam e a nossa relação com a linguagem não é simples, nem pobre. É complexa, cheia de riquezas, silêncios, sensações, entendimentos, desentendimentos, enfim, cheia de SENTIDOS.

Já reparou que temos um conjunto de termos para determinadas atividades? Pois é, foi exatamente isso que fez a artista Silvie Mexico recolher testemunhos de diferentes homens e mulheres, para compreender melhor como o orgasmo é percebido e designado, nas suas mais diferentes colorações. É uma pesquisa também sobre sinestesia (quando os sentidos se misturam em algum nível). Por isso o site criado pela artista chama-se Synesthesie-orgasmes.

A ideia do site é buscar quais seriam os melhores termos, analogias, neologismos usados para nomear as diferentes sensações vividas durante o orgasmo. Ao expor seu projeto Silvie exemplifica, segundo sua própria experiência, por quais critérios ela caracteriza o seu orgasmo e descreve sete formas diferentes:

1) Duração: curto, longo, contínuo;
2) intensidade: mais ou menos intenso;
3) linearidade: pode ser perfeitamente linear ou conter muitos saltos e sobressaltos.
4) suas camadas: pode ser simples, ser vaginal, ser anal, seu clitoriano, ser múltiplo (clitoriano e vaginal/ clitoriano e anal/ vaginal e anal/ ou os três de uma vez).
5) sua textura: pode ser mais ou menos doce ou violento. Uma sensação que pode ser associada à uma leve carícia na boca, um fio de água correndo docemente ou ter a violência de uma implosão.
6) sua dimensão: pode ser associado a uma dimensão sonoro ou espacial. Os orgasmos, poderão ser muito preciso e agudo ou estridente, como uma flecha, ou mais expansivo, mais surdo e mais impreciso.
7) seu sabor: pode ser associado a sua cor, e com um exercício comparativo mais elaborado aos gostos. Para a artista, por exemplo, os orgasmos clitorianos tendem mais para o vermelho, a partir do amarelo, e passam pelo laranja e roxo. Já o orgasmo vaginal tende pro violeta, passando para o vermelho. O clitoriano ela associa mais ao vinho vermelho Côtes du Rhône, enquanto o vaginal ao Bordeaux.

A ideia do site é, enfim, descobrir como as pessoas nomeiam essas diferentes formas de olhar e sentir os seus orgasmos. O site é francês, mas você pode tentar contribuir, se quiser, respondendo o questionário da artista.

As minhas perguntas, no entanto, não constam nesse questionário, elas surgem da proposta de Silvie e do modo como ela vê os vários orgasmos. Afinal: quantos orgasmos teríamos que ter tido para chegar a essas sete definições? quem aí já teve um orgasmo triplo: clitoriano, vaginal e anal (que peripécias são necessárias para esse feito?) E, por fim, você já teve um simples orgasmo? se você tem mais orgasmos vermelhos de tons alaranjados isso significa exatamente o quê?

Conselho: Na vida, no dia a dia, estamos condenados a interpretar, sempre. Mas o sem sentido também significa, muitas vezes o sem sentido é até mais intenso e duradouro. Portanto, goze agora, amanhã e depois e sinta, apenas sinta, porque talvez, talvez, orgasmo bom seja aquele que você não consegue nomear, o sem sentido, o …deixa pra lá!

Julia Tenório.

Arte

Xplore Paris: festival de sexualidades

Zapeando por aí, descobri que semana passado aconteceu  o “Xplore Paris:  interrogar e reconstruir Eros na cidade”.
Bien! O Xplore é um “festival consagrado às sexualidades criativas”. Na edição de 2013, conta com testemunhos, conferências e performances sobre diferentes aspectos e variantes da sexualidade. De acordo com o site do festival, “os participantes do Xplore desenvolvem técnicas de exploração do corpo que fazem da sexualidade um objeto de estudo e de jogo.
Poxa! quando vamos criar algo semelhante no Brasil? (já tem? me avisa onde e quando acontece, por favor!).
O evento explora o lado lúdico da sexualidade, apresenta seus aspectos estéticos, revela questões espirituais ou simplesmente propõe experiências intensas. Um dos conceitos que permeiam o festival é o de “Erosticratie” [algo como Erostocracia, em português].
Erosticratie é um projeto artístico e político que interroga e constrói “Eros” na cidade, seu objetivo principal é “transcender os gêneros e reunir as comunidades sexuais pelo aspecto pulsante da arte em todas as suas formas”.
No site do festival você poderá conhecer melhor essa ideia, conhecer os projetos artísticos e os vídeos que representam o projeto, como esse aí em baixo ó (está em francês, mas pra bom entendedor o sexo basta…):

Arte

O Banhero Selvagem de Pietro Luigi: arte nonsense repleta de significações

No ano passado,  durante uma Barbada Maringá,  eu conheci um artista  extremamente criativo e original. Pedi para ele me contar um pouco de sua vida, suas inspirações e ele, gentilmente, me contou um pouco como funciona sua mente trituradora, focada nos elementos cotidianos.

Ele é o Pietro Luigi e autor da primeira edição de  “Banhero Selvagem”.

Segue o que ele nos contou sobre sua vida e sua arte. Espero que se encantem, como eu me encantei!

Cotidiano e rotina como inspiração!


“Posso te dizer o seguinte, eu me considero um liquidificador. Minha grande inspiração é o cotidiano, essa coisa absurda de uma grande expectativa e no final não acontece nada e é só um dia depois do outro. Uma coisa meio: cara, conheci a mulher da minha vida, ela estava na padaria do lado do escritório, foi a melhor trepada da minha vida, mas eu ainda preciso consertar a pia do banheiro e não sei se quero ser transferido para uma outra repartição. Sabe, essa coisa da rotina simplesmente me fascina, não sei se porque eu sou muito feijão com arroz e daí não consigo me interessar por uma “grande aventura” ou coisa parecida, mas é basicamente isso,  a rotina é minha musa inspiradora.”

Referências artísticas

“É claro que no meu trabalho dá para perceber outras referências, até porque esse negócio de fazer quadrinhos/ tirinhas, é relativamente recente na minha vida. Por volta dos meus quinze anos eu fazia fanzines, só que nessa época a minha produção era mais “literária” por assim dizer. Curtia escrever pequenos contos, frases e entrevistas fantasmas, daí fazia alguma ilustra pra deixar a coisa toda um pouco mais atrativa e divertida. A grande verdade é que eu não me considerava um grande desenhista, por isso escrevia, tão logo me considerava um bom escritor, por isso eu desenhava, e isso dura até hoje, com a diferença de que me sinto mais confiante em relação ao meu desenho.

Enfim, minha proposta sempre foi a de escrever e desenhar  coisas de fácil assimilação e “impactantes”. Durante a universidade comecei a me aprofundar mais no universo das tirinhas, principalmente pela insistência de alguns amigos, e hoje elas representam uma parte muito significativa do meu trabalho.”

Um liquidificador!?

“Mas veja bem, é como eu te disse, eu me considero um liquidificador. Durante todo esse tempo eu consumi e experimentei, e continuo consumindo e experimentando, várias linguagens, traços , temas e formatos.”

Preferências temáticas

No entanto, alguns assuntos sempre me foram caros e se tornaram a minha identidade enquanto artista, que é basicamente uma mistura de humor, sexo, nonsense, surrealismo, propaganda, cultura pop, violência, psicodelia, cotidiano e alguma coisa de crítica, e no final das contas eu me apresento como cartunista, porque daí o cidadão já tem uma ideia da encrenca  em que ele se meteu.

Para conhecer melhor os trabalhos do Luigi, você pode acessar os links abaixo:

Site Oficial

Facebook Banhero Selvagem

Outras entrevistas com ele que circulam na Internet:

contraversão:
Arte Atualidade

Papa, "o amor nasceu homossexual!" e "existe amor em Maringá!"

Li por aí que movimentos radicais, reacionários e, acima de tudo homofóbicos têm se preocupado em marchar contra a comunidade homossexual. Tudo isso com a, bem-vinda, ajuda do Papa Bento XVI, que declarou por esses dias que “o casamento homossexual ameaça o futuro da humanidade” e, também condenou a adoção de crianças por homossexuais (é mais cristão deixar morrer na rua).

Não faltou também uma inesperada mobilização de franceses, que conseguiram reunir 800 mil pessoas para impedir que um projeto sobre a união homossexual fosse votado na França!

Aqui mesmo no Paraná, mais especificamente em Curitiba e Maringá (que não poderiam ficar atrás da França socialista), tivemos manifestações de grupos da TFP (a sigla já diz tudo!), com direito a “posteriores” agressões físicas.

Os episódios recentes me fizeram pensar em qual seria o problema das pessoas que aderem a tais “bandeiras”. Que tipo de “vontade” move pessoas, ainda hoje,  a ver na homossexualidade algum tipo de ameaça? Não consegui chegar a nenhuma conclusão clara, lógico.

Hoje, lendo aleatoriamente trechos de um livro velho, comprado num sebo há alguns anos, me deparei com o seguinte texto, que julguei muito oportuno para uma reflexão sobre o que estamos vivenciando. O texto é  de 1975, mas parece tão infelizmente atual !!!
O Amor Simétrico

(…)

Mesmo depois que o condicionamento social nos castrou a imaginação, nós adivinhamos confusamente que ganharíamos se nascêssemos num mundo evolutivo, onde seríamos sexuados de maneira provisória, flexível, facultativa. A aptidão que nós teríamos em migrar de um sexo a outro aumentaria nossa utilidade ao mesmo tempo que o nosso prazer.

Alguns entre nós sentem com mais acuidade do que os outros a falta que é cometida por uma civilização que nega tais direitos de opção e de troca. Seu protesto não é fantástico, porque a manifestação da consciência deu aos humanos o poder de realizar feitos poéticos, que o conservadorismo da matéria, entregue à ela mesma, lhes teria privado. São as coletividades sociais que editando normas retardadoras, estabeleceram um novo fixismo.

Paradoxalmente, os desviados se tornaram então objetos de escândalo, eles que haviam criado a espécie! Hoje em dia ainda, a mediocridade dominante teme acima de tudo a exceção que diferencia o comportamento dos homens, os torna menos disciplinados e menos cinzentos. A autoridade coloca os indivíduos suspeitos de uma diferença fora da situação de contribuir aos costumes a vir, isto é, em suma, os impede de realizar as funções de mutação que lhes conferem um interesse.

Da resistência a esta pressão depende a nossa originalidade entre os outros animais deste planeta. Assim, ao mesmo título de todos os dissidentes que recusam uma ordem redutora e uma banalidade imposta, o homossexualismo preserva as chances de aparecimento de uma “nova consciência”. Ele representa – sem que seus mensageiros o saibam, muitas vezes – uma amostra das liberdades ainda inconcebíveis para a grande maioria, uma experiência de autodeterminação efervescente e prematura neste mundo em que as estruturas nos predestinam e cujo destino nos escapa.

O amor, o amor ele mesmo, esta perspicaz e recente esperança de encontrar um semelhante além dos hábitos que separam os seres, é uma invenção de rebeldes. A passagem da sexualidade bestial à sexualidade abstrata, que nós designamos com o nome de amor, não pôde em nenhum lugar se realizar no respeito dos instintos e das práticas majoritárias. O amor nasceu homossexual. (…)

(…) Soberanamente desprovido das obrigações costumeiras, de sogros e de fé jurada, sem garantia nenhuma, travestido, maldito, queimado, cercado de solidão, o homossexualismo não é um bom negócio para um pai de família. A maioria continuará preferindo ainda a falta de curiosidade pretensiosa, as falsas privações, a prudência, a eternidade.  (…)

ARSAN, Emmanuelle. A Hipótese de Eros, 1975.  p. 112
Tradução:  Clarice Lispector

Se, como defende a autora do texto citado, a resistência a tais movimentos depende da criatividade daqueles que não aceitam a moral da velha consciência, podemos afirmar que –  pelo menos em Maringá – existe amor e  a “revolta homofóbica”  teve uma resposta da comunidade LGBT, que organizou o “Beijaço”, protesto criativamente ilustrado na arte da maringaense Elisa Riemer.


Arte

10 línguas pelo preço de uma!

“10 línguas pelo preço de uma” é uma das chamadas para o novo modelo do Sqweel 2 que estará nas lojas a partir de agosto.

O objeto está aí para nos lembrar como a mecânica está presente nos mais variados produtos eróticos, a serviço do prazer! E a inspiração mecânica vem de longe…

Em 2009, quando eu escrevi o artigo Sqweel: simulador de sexo oral, ele não vibra, mas gira… , falando do lançamento do primeiro Sqweel, um leitor comentou que “ainda preferia a sua língua para satisfazer a parceira”.  O comentário levanta uma questão sobre a relação sexo e macânica, aclamada por uns e criticada por outros.

Agnès Giard faz um retrospecto  do tema na literatura, apontando as principais discussões sobre a questão. Segundo a autora o “mecano-erotismo” é uma palavra inventada pelo sexólogo Magnus Hirschfeld no século XIX, para falar sobre a influência das primeiras maquinas a vapor e pedal. Os ritmos incansáveis – próximos da obsessão compulsiva que imitam o êxtase repetitivo de uma relação sexual sem fim.
De lá pra cá, cientistas , médicos, pesquisadores de diferentes áreas tem investigado a relação máquina-sexo e, entre eles, destacamos  Tomi Ungerer – filho de um relojoeiro astronômo –  que em 1969 fará uma crítica à mecanização do sexo e ao império do lucro aplicado ao orgasmo. Em “fornicon” você irá se deparar com seus desenhos,  que revelam uma estética tão cruel e gelada quanto as máquinas que eles denuncia.

No entanto, a crítica ao lucro e aos objetos eróticos também não são nenhuma invenção da roda. Enfim, Tomi Ungerer também não visava algum retorno com suas criações eróticas?

Sendo assim, seguimos inventando a roda, como alude a própria propaganda do Sqweel 2.


Arte

Cadernos pornográficos

O “Carnets Pornographiques” é um site colaborativo dedicado ao erotismo e pornografia.
Com uma abordagem e linguagem nada elitista e bastante direta tem o objetivo de fornecer conteúdo original e, acredite, o material disponibilizados não pode ser encontrado em nenhum outro lugar da rede.
Para seus autores nada é desprezível, degradante ou maléfico. Vale tudo, elegância, amor, doçura, dedos e bundas.
O site tem uma equipe permanente de ilustradores vários e conta com uma seção de “convidados”, para outros interessados poderem  participar enviando publicações.
Imagens disponíveis no site: http://www.carnets-pornographiques.com
Arte Cinema

O teu marido? Ele não te chupa não?

Um diálogo (incomum?). Um filmaço. Um vídeo de alunos do design.

Tipografia Cinética e uma interessante forma de imprimir vida à tipografia, ao som e… aos diálogos cotidianos.

Arte Literatura

Sexo, suor e filosofia!


Por reação a oposição binária corpo-alma o artista francês Pascal Lièvre teve a ideia de fabricar cuecas bordadas com nome de filósofos famosos. Após a confecção das peças as cuecas foram tema de desfiles e de ensaio fotográfico, feito pelo artista. No ensaio os modelos posaram com as cuecas bordadas e um livro do filósofo na mão.

Eu quis pôr em cena uma nova geração de homens que gostam da filosofia. Eu fotografei homens com ereção lendo um livro do mesmo filósofo bordado em sua cueca. As fotos foram expostas na La Flatland Gallery d’Utretch.  Depois eu decidi, com minha curadora Vanessa Quang, enquadrar as cuecas que haviam sido utilizadas para a série fotográfica e vendê-las. “

Muitas pessoas me contataram para saber onde poderiam achar as cuecas, porque elas queriam  comprá-las. Eu decidi que deveria responder à demanda, mas gostaria de guardar o trabalho artístico e não apenas me lançar a uma superprodução, já que não sou um fabricante de cuecas, mas sim um artista…”

A coleção possui cerca de 100 cuecas, e é vendida pela Internet. Mas, não consta entre os filósofos o nome de Platão, por exemplo. O artista prefere filósofos como Deleuze, Freud, Foucault e principalmente Nietzsche que, para ele, marca uma verdadeira mudança na história da filosofia. Para ele tudo começa com Nietzsche e com esta declaração em Zaratustra:

“Eu sou um corpo completo e não outra coisa; a alma não é uma palavra para uma parcela do corpo”. Nietzsche me parece ser o filósofo da ruptura, ele coloca em questão a descontrução da metafísica , que põe fim a esta separação do corpo com alma ou espírito.”

Em homenagem à Nietzsche, Pascal Lièvre lança posteriormente várias atividades artísticas que consistem, com humor, em usar seu corpo para melhor pensar na relação dos corpos: em 2010, ele criou uma performance intitulada Aeróbica Nietzsche em salto, que consiste em colocar sapatos femininos para fazer ginástica em sob salto agulha.  Titubeando um pouco na ponta dos pés, eles sincronizam seus movimentos aos de Pascal Lièvre, disfarçado de professor de ginástica… E um, e dois! Eles executam os gestos com muita dedicação, suando nas lindas camisetes rosas que deixam a performance bem humorada.

Você deseja a filosofia? Você deve beber sua essência, responde Pascal Lièvre, que passa sua mensagem:

“…pode até existir corpos que não pensam (muitos), mas não existe pensamento sem corpo. Sem corpo, não pensamos mais, estamos mortos.”

Arte

Um post para Proust: "Só se ama o que não se possui completamente""

Durante os últimos meses estive ausente do blog, pois estava trabalhando (muito) na simpática cidade de Guarapuava, no Paraná. Lá, descobri um sebo super interessante (o único da cidade), mas com ótimos livros de literatura. Encontrei também algumas raridades, o que era esperado já que a cidade tem 201 anos de idade.

Uma das inúmeras aquisições que fiz no sebo foi o interessantíssimo livro de Stéphane Zagdanski, da editora Jorge Zahar Editor, intitulado “O Sexo de Proust”.

Como o próprio título diz, a  tematica do livro é revelar o sexo de Proust. Ao contrário do que todos  dizem, a autora defende a tese de que Proust tem uma alma heterossexual. Para ela, só uma alma heterossexual poderia ter criado Albertine.

Não vou reproduzir trechos do livro, os interessados podem achá-lo em comércios bem menos tradicionais que o simpático sebo de Guarapuava, mas vou publicar o texto da contracapa, pois ele incita qualquer leitor interessado no tema da homossexualidade.

“Que estranha abominação pôde Proust cometer para atrair a raiva e o desprezo de seus contemporâneos?
Montesquieu: “Mistura de litanias e de zombaria”; Gide “Ofensa à verdade”; Cocteau: “Ele não tem nenhum coração”; Lucien Daudet:” É um inseto atroz”; René Boylese: “Uma carne de caça faisande”; marquès de Lasteyrie: “Que gênero pavoroso!”; Alphonse Daudet: “Marcel Proust é o diabo!”; Jeanne Poquet: “Esse biruta do Proust!”; Claudel: “velha judia maquaida…”

É simples, Proust perpretou o mais fabuloso dos crimes, e esse crime tem um nome: Albertine.

Albertine, ou a escritura feita mulher. Albertine, ou a mulher feita lésbica. Albertine, ou a ronda das mulheres enfim radicalmente penetrada, ao longo do tempo e de mãe para filha, pela graça do que é preciso bem nomear, sim, a heterossexualidade na alma do muito glorioso Marcel Proust. ” (Stéphane Zagdanski)

Já eu, Julia Tenório, amo Proust não porque o conheço ou li profundamente, mas porque ele definiu o amor em uma frase que para mim é cada vez mais verdadeira:

“Só se ama o que não se possui completamente” (Marcel Proust)

Pintura de Ralph Bruce. The Titans: O homem que desafiou a morte.Escondido do mundo em uma sala à prova de som, Marcel Proust sentou-se na cama a escrever o livro que viria a torná-lo famoso: Em busca do tempo perdido.


  • Publicidade