Manifesto SexoCult: sobre silêncio(s) e silenciamento(s)


Manifesto sobre silêncio(s) e silenciamento(s): para imaginar futuros outros
Fiquei em silêncio por um bom tempo. O blog adormeceu — e com ele, uma parte minha que já não sabia como nomear os desejos, as inquietações, as falas urgentes que se acumulavam entre a carne e o pensamento. Mas não foi um silêncio leve. Foi um silêncio denso, pesado de cansaços, atravessado por perguntas que ainda não sabia como responder. Era um tempo em que tudo parecia dito e, ao mesmo tempo, nada parecia suficiente. Os discursos se repetiam. As redes vociferavam. Eu me retraía.

Fui tomada por uma espécie de exaustão crítica. Não queria mais somar ruído à cacofonia do mundo. Dos rumores, parecia enxergar somente efeitos. Precisava parar. Precisa escutar. Precisava desaprender. Deixar que as palavras me faltassem, para que outras (talvez mais honestas, mais coletivas, mais perigosas) pudessem nascer.

Hoje volto. Não para repetir denúncias conhecidas, nem para listar as violências que já sabemos de cor. Volto porque é preciso imaginar. Volto porque é preciso fabular o que ainda não conseguimos viver.

Neste blog sempre busquei criar um espaço de crítica. Mas olhando para os textos que escrevi anos atrás, percebo o quanto, mesmo nos melhores momentos de reflexão, estive presa em círculos argumentativos. Presa em minha própria posição de mulher cis, hétero, branca. Havia potência, sim. Mas também limites. Reproduzi silêncios. Falhei em ouvir. Não percebia as nuances dos atravessamentos que fazem da sexualidade um campo de guerra e de reinvenção.

Volto agora com outro fôlego. O desejo é o mesmo: pensar o sexo e a cultura, mas a aposta é outra. Não se trata mais falar do que “circula de sexo e cultura na rede”, como propus antes, nem de apenas produzir críticas ao machismo, ao racismo, à homofobia – obrigação cotidiana. Gostaria de, aqui, ensaiar outras formulações. De fabular, de cultivar debates ainda por vir.

Hoje, nosso horizonte para falar de sexualidade é outro, seu desenho se constrói nas teorias que pretendem (des)colonizar os pensamentos, que querem reconstruir o desejo a partir de outras epistemologias, outros corpos, outras cosmologias. Podemos, a partir daí, não calar, mas compor modos de discussão do erotismo que dê, finalmente, fim na pornografia comercial, dando espaço para a invenção de rituais de fala e de erotismo não dominados pelo capital e pelo UM? O que circula hoje que nos ajuda a amar e gozar com base em nossas histórias?

Mudamos a partir daqui os rumos desse blog, tendo em vista inúmeras questões que antes não me vinham: como aliar minhas pesquisas sobre tecnologia e política com uma enunciação emancipatória que seja também uma reinvenção da linguagem de mulheres como eu?; como fazer para, desse meu lugar, reinventar espaços para minha existência sem desconsiderar o outro e o Outro? quais as (im)possibilidade de hackearmos os protocolos do prazer, programar futuros sensíveis?

Sei bem que nenhuma revolução sexual é possível sem justiça racial, sem equidade de gênero, sem luta de classes. Os afetos que queremos não cabem nas margens do sistema. Eles se fazem nas bordas, nas quebradas, nos quilombos, nas travessias. Um espaço, ainda que seja só de proposições e observações, que não inclua a complexidade dos corpos e das histórias, é só mais uma fantasia branca e liberal.

De quando iniciei esse blog até os dias atuais, vi o modo como o mercado aperfeiçoou seus mecanismos de sequestro do prazer. Fetichizou os afetos. Vendeu a rebeldia como produto. Pode esse espaço se reconstruir como um arquivo erótico que não seja (SÓ) mercadoria vazia?

Este blog renasce como manifesto. Como abrigo. Como estilhaço. Como lugar de pensamento e corpo em estado de invenção. Convido você a fabular comigo: Que sexualidades ainda não conhecemos? Que formas de prazer ainda não nos foram apresentadas? Que alianças afetivas ainda não ousamos descrever?

O futuro começa quando paramos de repetir e começamos a imaginar.

Julia Tenório

Deixe um comentário

  • Publicidade