Por Maurício Beck, colaborador (eventual) do SexoCult
Confesso que não gostei nada do penúltimo filme de Lars von Trier, Melancolia, (anti)espetáculo escatológico que assisti justamente após o fim abruto de uma relação amorosa. Quando o filme acabou, o impulso que tive foi o de deixar me atropelar pelo primeiro carro que cruzasse a rua em frente ao cinema. Bueno, o que não nos mata nos torna mais estranhos. Outra, sempre tendi mais a ser nerd do que hipster. (Esses últimos, em minha opinião, fazem do consumo de produtos “independentes”, roupas retrô, músicas alternativas, filmes iranianos, etc. um capital simbólico que, supostamente, os diferencia do comum dos mortais consumidor de enlatados. Os Nerds, por outro lado, abraçam a cultura de massa, mas a historicizam de certa forma. Risco de transformação no seio dos burburinhos do cotidiano em torno da máquina reprodutiva? Talvez…).
Voltando ao filme: Melancolia, pra um leitor de Arthur C. Clarke, é uma bobagem sem tamanho em termos astrofísicos. Aquele que descobriu a órbita elíptica dos planetas que o diga. Só Žižek conseguiu redimir um pouco o filme ao pinçar uma heroína deprê que encara o fim dos tempos sem medo e viu nela uma proto-revolucionária.
Agora, de Ninfomaníaca eu gostei! Alguns críticos ressaltaram o tema da culpa em conluio com a luxúria, mas isso já havia em O Anticristo. Acho que o que vinga ali é outra coisa. Talvez seja cedo demais para interpretar a causa da teimosa culpa da protagonista, uma vez que só assisti a montagem de meio quebra-cabeça. E, quem sabe a segunda parte do filme dê uma boa razão pra essa culpa. Já que Lars von Trier parece que bebe na filosofia de Schopenhauer. A vontade causa dor, logo, melhor o nada da vontade. Aliás, é isso que vi em Melancolia, uma vontade do nada. Com uma mão de diretor excelente, é verdade, com sequências que se estendem e dão a sensação de um tempo que se arrasta, simulando uma percepção deprê do mundo.
Mas gostaria de apostar que o que esta funcionando na narrativa da ninfomaníaca é o imaginário (masculino? Cristão? Com toda axiologia bem/mal embutida) de que a sexualidade feminina, da mulher que não é simples objeto de desejo, mas deseja ela mesma, seria como a caixa de Pandora aberta. Essa narrativa feminina da vida erótica, aliás, me lembrou da cena que conta e descreve uma orgia no filme Persona, de Bergman. É considerada, por Žižek, uma das cenas mais eróticas do cinema. Não é o caso do filme de Lars Von Trier. Nele, assistimos um autodesvelamento, um estudo de caso (com n. analogias e comparações para o deleite de cinéfilos hermeneutas), uma exposição para argumentar e confirmar a auto-identidade má da personagem. Certa hora o interlocutor duvida da repetição de coincidências na história da narradora. Ela retruca dizendo que pra fruir da história, há de ser crer nela. (Eis a suspensão da descrença, pacto entre cineastas e cinéfilos, mas não só). E não é que no final dessa primeira parte, é ela como personagem que já não crê/sente o próprio enredo. Faz-se presente também ali o enredo edipiano – pai bondoso, mãe “vadia insensível”, filha que emula inconscientemente a mãe.
E, não poderia faltar!, o enlace amoroso tardio pelo deflorador, amor recusado até a morte do pai… mas eis que no último momento Lars von Trier quebra a expectativa do enredo e evita a minha decepção (ou a adia). E a primeira parte do filme termina ao som de Rammstein!